Brincar com o Ar: Encontros com o Invisível na Primeira Infância

Há algo de profundamente mágico naquilo que não se vê, mas se sente. O ar — invisível, leve, fluido — dança ao nosso redor desde o primeiro respiro. Está presente nos suspiros, nas ventanias, no sopro e nas risadas que escapam durante uma brincadeira. Para as crianças pequenas, o ar é mais que elemento: é parceiro de invenções, é surpresa, é poesia em movimento.

Neste texto, desejamos lançar um olhar sensível sobre as possibilidades de brincar com o ar na primeira infância. Como educadoras e educadores, somos chamados a habitar esse espaço lúdico e quase etéreo com presença e escuta, reconhecendo que mesmo o que é invisível pode se tornar matéria de encontro e encantamento.

O ar como matéria de afeto e investigação

Quando uma criança sopra uma pena e vê seu voo leve, algo se revela. Não se trata apenas da física do movimento, mas da descoberta de que há forças que não se veem, mas que têm potência de deslocar, transformar e criar beleza. O brincar com o ar permite que a criança explore o mundo por meio de sentidos sutis: ela sente o vento no rosto, sopra bolhas de sabão e observa suas danças efêmeras, corre atrás de um saco plástico que voa com o vento.

Essas experiências ativam não apenas o corpo, mas também a imaginação e a sensibilidade. Brincar com o ar é brincar com o tempo, com a espera, com o movimento e com o silêncio. É brincar com a impermanência das coisas.

A escuta sensível do educador

Segundo Luciana Ostetto (2011), a presença do educador na educação da infância deve ser movida por escuta, cuidado e disponibilidade poética. Estar com a criança em brincadeiras com o ar é aceitar o convite para silenciar, observar e maravilhar-se com o que acontece nos pequenos gestos: o sopro que move a fita, o riso que explode com a ventania, a tentativa de pegar o vento com as mãos.

É uma pedagogia do encontro com o invisível, com o que não se controla, com o que escapa. Isso exige do adulto um desarme. Como diz Walter Benjamin, é preciso “deixar-se afetar”. A brincadeira com o ar não se programa rigidamente — ela acontece, como uma corrente que se move em liberdade, e convida o educador a estar presente com atenção flutuante.

Propostas e inspirações para brincar com o ar

Mesmo sendo invisível, o ar se revela nas interações com materiais. Por isso, muitas brincadeiras que envolvem o ar são também brincadeiras com movimento, leveza e transformação. Abaixo, algumas ideias inspiradoras para explorar com as crianças pequenas:

1. Bolhas de sabão

Clássicas e sempre encantadoras, as bolhas materializam o ar em forma de esfera frágil e colorida. Convidam a criança a soprar, correr, observar e até filosofar sobre o efêmero.

2. Fitas ao vento

Fitas de tecido, papel crepom ou fitilhos coloridos amarrados a bastões, galhos ou nas mãos. As crianças dançam com o vento, criam coreografias espontâneas, observam o movimento leve e fluido que o ar proporciona.

3. Sacos plásticos voadores

Com segurança e cuidado, é possível brincar com sacos coloridos leves que se enchem com o vento. Pendurar em varais, lançar ao ar, segurar com barbantes — tudo vira dança aérea.

4. Cata-ventos e móbiles

Além de belos, permitem à criança ver o ar “agindo”. Observar um cata-vento girar é como ver o mundo se mover em segredo.

5. Túnel de vento com lençóis

Criar túneis ou tendas com tecidos que se movem com a brisa — ou mesmo com o sopro das crianças. A entrada e saída por esses túneis ativa o corpo e os sentidos.

6. Sopros criativos

Soprar bolinhas de papel, penas, algodões ou sementes. Soprar para pintar (tinta soprada com canudinho). Soprar com instrumentos. O ar se torna extensão da criança.

Brincar com o ar é brincar com a delicadeza

A infância é o tempo da descoberta do mundo com o corpo todo. E o ar, embora tão sutil, oferece uma infinidade de descobertas que tocam o sensível. Ele ensina a escutar o que não se vê, a perceber o espaço, a se conectar com a leveza e a fluidez da vida.

Essas experiências abrem portas para o encantamento, mas também para o conhecimento. De forma natural, a criança aprende sobre causa e efeito, sobre leveza e peso, sobre resistência e impulso. Aprende, sobretudo, sobre os limites do visível, e isso amplia seu pensamento simbólico e sua imaginação.

O educador como aquele que acolhe o vento

O papel do educador não é apenas o de quem oferece a brincadeira, mas o de quem acolhe o vento que passa. É aquele que escuta o que a criança experimenta e diz, mesmo quando ainda não fala. É quem se emociona com o balé das bolhas ou com a gargalhada solta diante do pano que voa.

Como nos lembra Loris Malaguzzi, “o vento passa por entre os cabelos das crianças e leva suas perguntas para longe”. O educador-poeta recolhe essas perguntas com ternura e as transforma em possibilidades pedagógicas. Sua presença é como brisa suave: firme, mas não invasiva.

A poética do invisível e a pedagogia da leveza

Em tempos marcados pela pressa, pelo acúmulo e pela hiperestimulação, brincar com o ar é um gesto contra a dureza do cotidiano. É oferecer à criança a possibilidade de sentir com o corpo todo, de se maravilhar com o que é simples, de descobrir que o mundo respira com ela.

É também um convite ao adulto: desacelerar, confiar nos ritmos suaves da infância e permitir que o brincar seja um território de escuta, leveza e vínculo. Brincar com o ar é afirmar que o essencial, como dizia Saint-Exupéry, “é invisível aos olhos”.

Referências afetivas e bibliográficas

  • Ostetto, L. (2011). Presença sensível: A escuta poética do educador da infância. Vozes.
  • Benjamin, W. (1984). Infância em Berlim por volta de 1900. Brasiliense.
  • Malaguzzi, L. (2000). As cem linguagens da criança. Heks.
  • Saint-Exupéry, A. de (1943). O Pequeno Príncipe. Agir.
  • Tonucci, F. (2006). Com olhos de criança. Artmed.

Para terminar, um sopro de poesia:

“Soprando a bolha, a criança não vê o ar,
mas vê o que o ar pode fazer.
E nesse instante,
ela descobre que o invisível também tem cor.”
(Presença Lúdica)

Indicação: atividade poética, sensorial e simples, ideal para crianças pequenas, centrada na experiência com o ar. Ela pode ser realizada em espaços abertos (pátios, jardins, varandas) ou em salas bem ventiladas.

🌬️ Atividade: “Dança das Fitas ao Vento”

Objetivo:
Proporcionar uma experiência sensorial e corporal com o vento e o ar, estimulando o movimento, a escuta do corpo, a percepção do ambiente e a expressão espontânea.

Faixa etária:
Crianças de 1 a 6 anos

Duração:
30 a 40 minutos (ou o tempo que as crianças desejarem explorar)

Materiais:

  • Fitas de cetim, fitilhos, papel crepom ou tiras de tecido (50 cm a 1 m de comprimento)
  • Bastões leves (de madeira, papelão ou galho seco) ou elásticos para prender as fitas nos pulsos
  • Uma caixa ou cesto para guardar as fitas
  • Música suave ou silêncio, dependendo da proposta
  • Espaço ao ar livre ou ventilado
  • Lençóis ou tecidos grandes (opcional, para criar túneis de vento ou sombras)

Passo a passo:

1. Preparação do ambiente:
Monte um espaço seguro e convidativo. Se possível, escolha um momento do dia com brisa leve. Pode ser ao ar livre ou próximo a janelas abertas. Deixe as fitas visíveis, em um cesto bonito ou penduradas em um varal baixo. Isso já desperta a curiosidade das crianças.

2. Roda de acolhida:
Convide as crianças a se reunirem. Sente-se com elas e faça perguntas abertas, como:
🌀 “Você já sentiu o vento no rosto?”
🌀 “Onde será que ele mora?”
🌀 “Como a gente pode brincar com o vento?”

Incentive-as a observar o ar com o corpo: “Vamos fechar os olhos e sentir se o vento nos toca?”. Isso promove a presença e a escuta sensível.

3. Escolha das fitas:
Convide cada criança a escolher sua fita. Elas podem segurar com as mãos, prender no pulso com elástico ou fixar em bastões. Valorize a escolha como parte da brincadeira.

4. Exploração livre com o vento:
Incentive as crianças a correr, girar, saltar, mover os braços e o corpo para ver como as fitas dançam. Se houver vento, observe com elas como ele participa. Se não houver vento, incentive o uso do próprio corpo como “vento vivo”.

✨ Dicas para enriquecer a exploração:

  • Mude o ritmo da música (caso use) para provocar diferentes movimentos.
  • Proponha desafios: “Consegue fazer a fita voar bem alto? E bem baixinho?”
  • Observe com elas as formas que o ar cria: ondas, espirais, rastros.

5. Descanso e contemplação:
Após a movimentação, convide as crianças a se deitarem no chão com as fitas nas mãos e olharem para cima. Se houver tecidos grandes, podem ser usados como “céu de vento”, balançando suavemente.
Silêncio, escuta, respiração. Um momento de pausa e encantamento.

6. Conversa final:
Reúnam-se novamente em roda. Pergunte:
🌬️ “O que sua fita fez hoje?”
🌬️ “O que o vento contou pra você?”
🌬️ “Você escutou o som do ar?”

Registre com palavras, desenhos ou fotos as falas e gestos das crianças.

Sugestões de desdobramentos:

  • Criar um “diário do vento” com desenhos, colagens e frases.
  • Construir cata-ventos ou móbiles em outros momentos.
  • Levar para casa uma fita para brincar com a família.
  • Montar uma exposição de fotos com o título: “Quando o Vento Brinca com a Gente”.
  • Fazer cartões postais com as fotos.

Inspiração poética para o educador:

“A fita voa como pensamento leve.
O vento, invisível, ensina a criança
que há beleza naquilo que não se vê,
mas se sente com o corpo inteiro.”


🌟 10 Brincadeiras com o Ar para Crianças Pequenas


1. Corrida das Bolinhas de Algodão

Material: canudinhos ou tubos curtos de papel e bolinhas de algodão.
Como brincar: as crianças sopram as bolinhas com os canudos, tentando levá-las até um ponto combinado.
O que se explora: direção do sopro, força do ar, coordenação, respiração e atenção.


2. Sopros que Pintam

Material: tinta guache diluída, canudinhos e papel grande.
Como brincar: pinga-se gotas de tinta no papel e as crianças sopram para espalhar, criando caminhos coloridos com o ar.
Exploração sensorial e artística, perfeita para transformar o invisível em imagem.


3. Caça ao Vento

Material: pedaços de fitilho, papel ou tecido pendurados em árvores, varais ou galhos.
Como brincar: as crianças são convidadas a “ver” o vento observando o que se move. Podem correr entre eles e tocar o que balança.
Para onde vai o vento? Um exercício de observação viva.


4. Túnel de Ar

Material: lençóis grandes, ventilador ou simplesmente a movimentação coletiva.
Como brincar: montar um túnel com tecidos e estimular as crianças a entrar e sair, sentindo o vento no corpo. Com a ajuda de educadores, os panos se movem como se o vento soprasse.
Experiência corporal, suave e mágica.


5. Móbiles Sonoros

Material: móbiles com materiais leves (fitas, conchas, penas, sementes) pendurados em árvores ou estruturas.
Como brincar: observar, escutar, soprar. A criança percebe que o vento “faz música” e movimenta o mundo.
Escuta ativa, contemplação e presença.


6. Fôlego de Gigante

Material: balões de diferentes tamanhos.
Como brincar: as crianças tentam encher os balões com seus próprios sopros, sentindo o crescimento com o ar.
Depois podem lançá-los ao ar e observar os movimentos.
Percepção de força, tempo e espera.


7. Asas e Ventos

Material: pedaços de tecido leves amarrados como “asas” nos braços.
Como brincar: as crianças correm com os tecidos voando, como se fossem pássaros, borboletas ou folhas.
Vivência simbólica e poética do movimento.


8. Respiração do Vento

Material: apenas o corpo.
Como brincar: sentar ou deitar com as crianças, fechar os olhos e respirar profundamente. Inspirar como se puxasse o vento e expirar como se devolvesse.
Pode-se nomear sentimentos e deixá-los “voar”.
Atividade de autoconsciência e calma.


9. Som do Sopro

Material: apitos suaves, flautinhas, folhas ou instrumentos de sopro feitos com bambu ou papel.
Como brincar: descobrir os sons que o sopro pode produzir.
Fazer um “concerto do vento” juntos.
Exploração auditiva, ritmo e expressão.


10. Vento na Poesia

Material: palavras e escuta.
Como brincar: inventar poemas coletivos sobre o vento. O educador pode começar com uma frase:
🌬️ “O vento hoje veio…”
Cada criança pode completar com uma palavra ou gesto.
Valorização da linguagem simbólica e das emoções.


🌾 Por que brincar com o ar?

O ar é invisível, mas presente. Ele toca, move, canta, embala e, ao mesmo tempo, ensina sobre aquilo que escapa do controle. Ao brincar com o ar, a criança vivencia o tempo, o corpo, o equilíbrio e a delicadeza. Ela aprende a ver o que não se vê, a confiar nos seus sentidos, a se expressar com o corpo inteiro.

Essas brincadeiras também favorecem a construção de vínculos afetivos, a atenção compartilhada e a valorização dos ritmos da natureza — fundamentos essenciais da educação da infância.

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